Em meio à guerra entre Ucrânia e Rússia, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) lançou seu novo relatório alertando para impactos “irreversíveis” caso a humanidade não freie o aquecimento global. Nesse contexto, os cientistas listam problemas que já afetam o meio ambiente e aponta o Nordeste como uma das três regiões do planeta que estão em um processo de secagem dos rios.

O documento traça um mapa global da tendência do fluxo médio anual de rios feito por 7.250 observatórios entre 1971 e 2010. “Algumas regiões estão secando”, crava o documento, colocando no cenário, além do Nordeste do Brasil, o sul da Austrália e a região do Mediterrâneo.

Para os pesquisadores, isso ocorre, “principalmente, pelas mudanças em grande escala na precipitação, fator que influencia a evapotranspiração; e alterações do tempo de acumulação de neve e degelo devido ao aumento das temperaturas”.

O aumento da frequência e intensidade das secas pode fazer com que rios perenes se tornem intermitentes; e rios intermitentes desapareçam, ameaçando peixes de água doce em habitats já caracterizados por calor e secas.

Seca e calor

O semiárido (no Nordeste e norte de Minas Gerais) é um bioma que já sentiu a força dos chamados eventos extremos. Entre 2012 e 2017, a região viveu a maior seca da história. Isso gerou consequências ambientais, como a morte de animais, migrações e problemas para as plantações e a vegetação.

A situação segue se agravando, segundo estudiosos ouvidos pela coluna. “No ano passado nós vivenciamos temperaturas de até 41°C em média, enquanto nos anos anteriores 1,5°C grau a menos. O ano de 2021 foi bem severo para o semiárido”, diz o professor e pesquisador Emerson Carlos Soares, do campus de Ciências Agrárias da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), citando o desmatamento como um dos problemas que impacta a temperatura na região.

“Nós estamos tendo uma substituição da rica vegetação da caatinga, que gera maiores áreas erodidas —que também se alia à questão da diminuição de chuva. Consequentemente a pastagem vai invadindo e as áreas vão ficando com solo frágil. E sem chuva, a dificuldade é maior para o plantio e para a economia da região”, explica.

Costa é coordenador de um projeto anual chamado expedição científica do Baixo São Francisco (região do rio que divide Sergipe e Alagoas). Ele conta que a bacia do maior rio 100% brasileiro passou por um período de sete anos de pouca chuva, o que reduziu a vazão e causou impactos.

Além disso, nós estamos tendo aqui também um aumento da aridez, que causa um aumento de áreas desérticas, com o solo cada vez mais pobre. Nós tivemos uma perda, segundo artigos científicos, na ordem de 30% da vegetação nos últimos anos no semiárido.

Segundo o meteorologista e coordenador do Lapis (Laboratório de Processamento de Imagens de Satélite) da Ufal, Humberto Barbosa, o novo relatório do IPCC reforça uma preocupação já externada na primeira parte da análise feita pelo grupo de cientistas, publicada em agosto de 2021.

“Essa segunda parte oferece uma escolha difícil: a humanidade aceita esse status quo desastroso e o futuro incerto e desagradável para o qual está levando, ou pega as rédeas e escolhe um futuro melhor”, sentencia.

Barbosa tem um estudo de 2016 citado no capítulo que fala do Nordeste no novo relatório do IPCC. O texto, publicado no Jornal de Ambientes Áridos, que já trazia a preocupação com a escassez de chuva na região.

Segundo ele, a questão-chave para os próximos anos é o aquecimento dos oceanos, que vão ter interferência direta sobre a região. “O oceano Atlântico é o que mais tem aquecido nas últimas décadas, desde 1960 e 1970. Isso vai trazer um impacto na distribuição das chuvas na região, afetando todo o ciclo hidrológico. Ou seja, as secas do semiárido vão ser cada vez mais frequentes e intensas em função dessas características”, diz.

Já para a região costeira do Nordeste isso pode trazer chuvas mais intensas. É meio paradoxal, mas é exatamente o que a gente tem visto e que vai intensificar nos próximos anos. A distribuição das chuvas não será linear, podendo ter áreas com secas intensas e no mesmo estado ter regiões com inundações.

 

 

Folha da Terra Jornal

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