Um novo informe do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) que será apresentado na próxima segunda-feira desmontará a tese negacionista de alas mais conservadoras e mesmo de membros do governo de Jair Bolsonaro. O documento, na avaliação de negociadores, colocará uma pressão ainda maior para que o Brasil apresente garantias de que conta com uma estratégia convincente para frear o desmatamento.

Uma das principais mensagens do documento em sua versão original se refere às causas dessa transformação climática. Os cientistas afirmam de forma clara que é “muito provável” que as atividades humanas na emissão de CO2 sejam os “principais motores” do aquecimento desde 1979 e “extremamente provável” que a ação humana seja a causa da destruição da camada de ozônio.

Há mais de uma década, o IPCC constatou que as mudanças climáticas já eram uma realidade. Agora, apontam que tal cenário está intimamente relacionado com a atividade humana e que não se trata de um ciclo do planeta.

O documento, o primeiro de tal dimensão em sete anos, está sendo negociado por cientistas e representantes de governos. Ele deve trazer constatações de que o mundo está caminhando para um ponto de “não-retorno” no que se refere ao impacto das mudanças climáticas e a elevação das temperaturas.

Versões iniciais do rascunho do texto, obtidos pelo UOL, indicam que há um entendimento de que as consequências das mudanças climáticas irão redefinir a forma de vida no planeta. O documento final ainda pode sofrer algumas mudanças, dependendo da pressão de governos.

A lista de impactos da ação da sociedade sobre o clima é extensa. “A influência humana provavelmente contribuiu para o aumento da umidade atmosférica e extremamente provável contribuiu para as mudanças na salinidade oceânica”, diz o rascunho do documento.

“A precipitação terrestre média global provavelmente aumentou desde 1950, com um aumento mais rápido desde os anos 80, e com provável influência humana sobre o padrão das mudanças de precipitação observadas”, destacou o grupo vencedor do prêmio Nobel da Paz de 2007. “Há uma alta confiança de que os rastros de tempestade e a precipitação associada no Hemisfério Sul mudaram de direção no verão desde os anos 70, associada à mudança de direção do jato extratropical que muito provavelmente foi causada em parte pela influência humana”, dizem os cientistas.

A influência humana também é considerada “muito provavelmente” como o “principal motor do recuo global das geleiras desde os anos 90 e de reduções observadas no gelo marinho ártico desde o final dos anos 70, e muito provavelmente contribuiu para a diminuição observada na cobertura de neve na primavera do Hemisfério Norte desde 1950”.

Concentração de CO2 O

levantamento constata ainda que as concentrações atmosféricas de CO2, metano e N2O são mais altas do que em qualquer momento em pelo menos 800 mil anos, e as atuais concentrações de CO2 não foram experimentadas por pelo menos 2 milhões de anos. “Desde 1850, o CO2 e o metano têm aumentado a uma taxa, e em uma quantidade, que excede as mudanças naturais entre períodos glaciais e interglaciais durante pelo menos os últimos 800 mil anos”, diz o rascunho, em mais uma constatação da influência humana.

Pressão sobre governos que não se comprometem em agir

Fontes diplomáticas confirmaram à coluna que, se mantidas no texto final, as conclusões dos cientistas serão usadas por governos para pressionar países que não tenham demonstrado compromissos suficientes na redução de emissões ou na taxa de desmatamento. O Brasil, na visão de vários dos negociadores, estará na linha de frente do alvo da pressão internacional. Ao constatar a relação entre a atividade humana e o clima, a esperança da comunidade internacional é de que não haja desculpa para não agir.

Por meses, membros do governo brasileiro insistiram que, ainda que a questão seja fundamental, não seria a ação humana a explicação para o aquecimento do planeta. Desde 2019, o então chanceler Ernesto Araújo deixou claro que não compartilhava com as conclusões da ciência sobre o aquecimento global e nem com o papel das atividades humanas. Dentro do governo também foi divulgada a tese de que o “ambientalismo” seria uma forma de a esquerda ditar a agenda política. “O ponto principal da ditadura do clima, do climatismo, é o fim do debate político normal”, denunciou o então ministro.

 

 

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